*Ruy Martins Altenfelder Silva
Como é praxe em campanhas eleitorais, candidatos de vários
naipes passam a invocar, com regularidade, a palavra ética, empregando-a
preferencialmente contra os adversários e, mais raramente, utilizando-a para
definir o próprio compromisso em relação à futura atuação, caso vençam nas
urnas. Embora o excesso de repetição tenda a desgastar ou banalizar o
significado de uma palavra, a ética parece resistir impávida e vem se
transformando em referência para a decisão de voto de mais e mais brasileiros.
Melhor ainda, a pressão pela ética espraia-se pelo tecido social, passando a
ser requisito no mundo corporativo, tanto na condução dos negócios quanto na
atuação do profissional e nas relações com os consumidores.
Definida, por derivação do conceito filosófico original,
como o conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral do indivíduo,
de um grupo social ou do conjunto da sociedade, ao emergir poderosa no cenário
nacional a ética suscitou e continua a suscitar ações da sociedade civil
organizada. São exemplares as campanhas contra a candidatura de políticos
“ficha suja”, a impunidade ao desvio de dinheiro público, as falhas da Justiça
e até mesmo a selvageria que impera no mercado financeiro mundial, dominado
pela sede de lucro a qualquer preço. No Brasil, a pressão da sociedade já
resultou em dois avanços muito positivos: a Lei da Ficha Limpa (Complementar
135/2010) e a Lei Anticorrupção (nº
12.846). Para dar mais alento aos brasileiros que sonham com um país mais sério
no trato da coisa pública, adicione-se o maciço apoio da sociedade às decisões
judiciais que puniram políticos e grandes empresas envolvidas em denúncias de
corrupção.
São sinais promissores que apontam para a percepção da ética
como um dos valores indispensáveis à construção de uma nação moderna, voltada à
democracia, ao desenvolvimento sustentável, à qualidade de vida de seus
habitantes e à correção de vergonhosas desigualdades. Apesar de aparentes
retrocessos – decorrentes da leniência de certas sentenças judiciais e da
infinidade de recursos propiciados por normas processuais obsoletas – essa
perspectiva indica que há espaço para o surgimento de uma nova geração de
candidatos que considerem o bem comum como o objetivo maior da atuação
política, abalando a tradicional prevalência do interesse pessoal e da
conquista do poder a qualquer preço.
A crescente valorização da ética pela sociedade, somada ao
rigor da nova Lei Anticorrupção, deverá balizar o comportamento no mundo corporativo.
Assim, é ilustrativo o exemplo de consumidores dispostos a pagar mais caro por
produtos social e ambientalmente corretos. A ética, como se depreende de tais
posturas exemplares, está indissoluvelmente ligada à cidadania e esta, por sua
vez, é decorrência quase natural da educação, entendida em seu sentido mais
amplo e nobre. Em outras palavras, se é verdade que ninguém nasce cidadão,
também é verdade que todos podem ser tornar cidadãos desde que tenham acesso à
educação. O processo de formação e a prática cidadã podem – e devem – ter
início na família, continuar na escola, espelhar-se no exemplo dos homens
públicos, invadir a trajetória profissional e prosseguir ao longo da vida.
Percebe-se aí, portanto, a importância de vincular os
ensinamentos teóricos a exemplos de posturas éticas, em especial aqueles
transmitidos às novas gerações nas fases da vida em que estão mais abertas à
aquisição de valores e princípios, isto é, na infância e na adolescência.
Apenas como ilustração: em que adulto se transformará um garoto que vê o pai
subornar o policial quando pego em infração de trânsito ou, à mesa do jantar,
se vangloria de fraudar o fisco ou lesar seus clientes? Em que adulto se
transformará o aluno prejudicado pelas péssimas aulas ministradas por um professor
campeão de faltas ao trabalho, displicente e que, no exame final, aprova a
classe inteira, por comodismo? Em que profissional se transformará o trainee ou
o estagiário que observar seu gestor praticar atos prejudiciais à empresa, para
deles retirar proveito pessoal? O que esperar do brasileiro bombardeado
diariamente pelas mentiras, manobras escusas, atos de compadrio e outros abusos
de poder praticados por autoridades? Certamente, não serão cidadãos com a
qualidade que todos desejamos para o País, agora e no futuro.
Para a depuração dos valores distorcidos que ainda
prevalecem em largos segmentos da sociedade, não é possível ignorar a
responsabilidade de cada um, principalmente daqueles que tiveram a sorte de ser
moldados desde a infância e juventude pelo figurino da ética e se esmeram em
cultivar sua prática. A esses, não é mais permitido o conforto da omissão e do
simples protesto. A eles – candidatos ou eleitores –, pede-se uma ação mais
efetiva já nas próximas eleições, uns com a correta decisão de votos e outros
com o compromisso de uma atuação, na vida pública, verdadeiramente republicana
e voltada para o bem comum.
*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do
Conselho de Administração do CIEE/SP e da Academia Paulista de Letras Jurídicas
(APLJ)
Nenhum comentário:
Postar um comentário