sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Antigas pescarias de um menino 
de Morro Agudo

Na realidade, no Morro Agudo daquele tempo, isto é, de 1930 a 1940, havia duas espécies de pescaria: uma, no Córrego do Chapéu, que atravessava a cidade, menos perigosa, com meninada da arraia miúda, com tralha (“traia”, dizia a meninada) de pesca leve, sem quase correr perigo porque dos dois lados do Córrego ficava o fundo dos quintais das casas, tornando-se contudo mais perigosa a pescaria à medida que se afastava da cidade; a outra pescaria, no Ribeirão do Agudo (cujo nome também derivava do lendário morro “agudo”, porque nascia ali, perto dele), já era perigosa e nela só se aceitava moleque que nadasse bem para atravessar o ribeirão em caso de emergência, e tivesse sua própria “traia” de pesca. Contudo, havia ainda uma terceira pescaria, mais rara, nas lagoas, onde sempre todo moleque tinha medo de jacaré, sucuri e cobra.
Por mais de um motivo, todo menino pescador tinha que saber nadar: primeiro, para não se afogar caso caísse no rio; segundo, para numa eventual fuga de vaca braba ou de qualquer bicho ou coisa, ter que atravessar o Ribeirão, procedendo-se do seguinte modo: “Em fila indiana, todos pelados, com a roupa amarrada pela cinta em cima da cabeça, nadando cachorrinho com o corpo todo dentro d’água menos a cabeça, sem barulho, atravessava-se o rio, tendo antes dois ou três levado as varas e tralha de pesca”. Duas regras: a primeira, moleque só nadava pelado; segunda, jamais menina ou mulher participava de pescaria.
Quanto às pescarias no Córrego do Chapéu, eram com peneira, ou com varinhas de bambu-jardim, pacientemente preparadas pela própria molecada, num ritual tradicionalmente repetido e herdado de seus antepassados e que consistia no seguinte: “Uma vez maduro o bambu-jardim, cortava-se a vara escolhida no pé dela e, depois, por meio de uma faca bem amolada, retiravam-se-lhe todos os seus galinhos, cortando-os rente ao bambu; em seguida, pegava-se a vara e, rodando-a na mão, o menino a passava ao fogo, de maneira que, sem queimá-la, pudesse, através de esfregadas de um pano por várias vezes, ser retirado o óleo que brotava de toda sua extensão verde; continuando na operação, um menino subia numa árvore ou em qualquer coisa alta e amarrava nela a vara com o pé em cima e a ponta, presa num peso, para baixo de modo a esticá-la; nessa posição, permanecia dia e noite durante mais ou menos uma semana; findo esse tempo, o menino, feliz e bem municiado, desamarrava a vara que, amarela (e não mais verde) e leve, por estar seca e sem óleo, permanecia retinha para sempre e pronta para pescar, conforme o tamanho dela, ou no Córrego do Chapéu, ou no Ribeirão do Agudo”.
Duas recordações folclóricas das pescarias com peneira (entende-se peneira daquelas grandes de peneirar café): a primeira, mais de uma vez, ao suspender a peneira, para ver e retirar os peixes, vinha o rolo de alguma cobra, geralmente jararacuçu (a meninada pronunciava “jaracuçu”), dentro da peneira que era imediatamente jogada de lado em meio à gritaria da molecada que debandava; a segunda recordação: apesar do perigo das cobras e de outras coisas, a meninada pescava descalço e, por isso, às vezes, tinha que interromper a pescaria e apressadamente correr para casa ou para a Farmácia do Sô Viana por causa de um corte feio provocado por caco de vidro que, no fundo do Córrego do Chapéu, pegava o pé descalço de algum moleque.
*Nota: trecho retirado do meu livro: “Dr. Tobias: sua Vida e a UNIFLOR”, encontrado com várias pessoas de Morro Agudo.
**Prof. Dr. José Antonio Tobias

Alta Floresta/MT

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