*Carlos Castilho
A revolução digital ampliou e diversificou o protagonismo
dos indivíduos na comunicação interpessoal em ambientes sociais, conferindo uma
importância crítica à organização deste monumental fluxo de mensagens contendo
dados e informações. O jornalista é parte insubstituível neste ordenamento, mas
as regras que orientam a sua atividade diária já não são mais as mesmas.
O crescimento exponencial da oferta de dados e informações
tornou obsoleta a função de coletar, formatar e distribuir notícias, que
caracterizou o trabalho dos jornalistas durante os últimos 200 anos. A nova
realidade digital está impondo ao jornalista a missão de dar significado às
notícias, mais do que simplesmente passá-las adiante. Noutras palavras, gerar
fluxos de notícias para alimentar a produção de conhecimento que permitam às
pessoas evoluir social e economicamente.
Até agora o jornalista era um operário na linha de montagem
das notícias que servem de moeda de troca com a publicidade e, com isto,
viabilizavam o negócio da imprensa. Na hora em que é levado a se transformar
num profissional do conhecimento, o jornalista necessita rever sua rotina de
trabalho, valores profissionais e comportamentos sociais.
Mas a grande mudança está nos objetivos da atividade
profissional. Embora a indústria dos jornais, revistas e audiovisual não vá
desaparecer, o jornalista passará a trabalhar pensando cada vez menos na
rentabilidade do negócio e mais nas necessidades e desejos dos receptores de
notícias. Em vez do patrão, a referência básica passa a ser a comunidade de
leitores, ouvintes e telespectadores.
Os jornalistas já ouviram muitas vezes esta mesma frase na
boca dos executivos da imprensa, mas agora ela tende a se transformar no mantra
do dia a dia da atividade, ao orientar o comportamento do profissional no
chamado engajamento comunitário. Este engajamento permite que o jornalista
identifique na comunidade à qual está vinculado os dados que serão estruturados
como notícias, que por sua vez provocarão debates sobre os quais será
construído o conhecimento individual e coletivo.
A agenda da imprensa sempre deu um tratamento diferenciado
às notícias conforme o seu objetivo. Algumas são consideradas utilitárias
porque estão orientadas para:
1. A melhoria do
desempenho pessoal e a eficiência nas atividades exercidas pelo leitor, ouvinte
ou telespectador;
2. Ampliar a qualidade e quantidade no consumo individual;
3. Oferecer opções diversificadas de lazer.
São notícias onde é fácil estabelecer a relação
custo/beneficio porque a demanda e a oferta são claramente identificadas. Em
compensação, as notícias relacionadas ao que genericamente é conhecido como
interesse social recebem menos atenção da imprensa porque, em geral, tratam de
temas complexos como meio ambiente, programas energéticos, saneamento básico,
drogas ou atenção à velhice, por exemplo. A diferença básica está entre as
notícias que o público quer ler e aquelas necessárias ao exercício da
cidadania. As primeiras são reguladas pelo mercado (oferta e procura), ao passo
que as de interesse público dependem de motivação intelectual que nem sempre
encontra uma compensação financeira.
O jornalismo voltado para a produção de conhecimento
preenche a lacuna criada pelas deficiências do mercado na satisfação das
necessidades informativas de interesse público porque pode atender interesses e
demandas altamente segmentadas. Esta possibilidade está apoiada no uso de
internet e da computação, que permitem uma personalização do fluxo de notícias
em espaços informativos de dimensões reduzidas – como uma rua, um bairro ou uma
especialidade profissional.
A mídia de massa só consegue equilíbrio financeiro quando
atende a públicos pouco diferenciados, o que impede a atenção às necessidades
informativas de grupos sociais numericamente reduzidos. A monetização
tradicional dos conteúdos jornalísticos é inviável no ambiente online porque a
avalancha informativa reduziu a zero o custo marginal da notícia (custo de
reprodução de uma notícia). Por isso, o jornalista que optar pelo trabalho na
internet precisa apostar na produção de conhecimento para buscar uma relação
custo/benefício capaz de assegurar a sua sobrevivência.
Esta aposta não é apenas uma questão econômica, mas é
essencialmente a recuperação do princípio da função pública do jornalista,
perdida ao longo dos anos, por conta da sua inserção da atividade na linha de
produção das indústrias de produção de notícias. O lado financeiro continua
essencial à sobrevivência dos profissionais, mas ele não é mais o fator
determinante no exercício da atividade. O jornalista é um protagonista
indispensável para as pessoas desenvolverem conhecimento e com isso aumentar o
capital social das comunidades onde vivem.
*Carlos Castilho em 03/09/2014, no Observatório da Imprensa
**Projor - Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo
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