O difícil acesso à saúde pública no
Brasil
*Sandra Franco
Em tempos de baixo crescimento econômica e crise política
causada pela má administração (já secular) do dinheiro público, os problemas
sempre presentes no país destacam-se em painéis luminosos e brilhantes,
difíceis de se ignorar. O cidadão, não mais cego pelas luzes do crédito fácil,
está sendo obrigado a discutir os problemas enraizados na sociedade.
Certamente a saúde é um dos temas mais difíceis de debater.
Bastante comum é que se coloque a responsabilidade na falta de recursos
repassados aos Estados e Municípios. Seria mesmo?
Outros sugerem que o dinheiro está disponível, mas a
aplicação dele pelos gestores não se destina a políticas públicas a longo
prazo, mas sim a manter uma estrutura mínima e a “apagar” incêndios. Ou seja, a
realidade é a de pagar tratamentos caríssimos aos cidadãos que ingressam na
Justiça para garantir seu direito constitucional a uma saúde integral.
E em qualquer destes cenários fica claro e transparente que
o acesso do brasileiro à saúde pública é difícil.
Quando se trata de resolver problemas complexos, o ingresso
na Justiça pode ser uma forma de solução necessária, mas não a adequada.
Um exemplo é o de um grande hospital público de São Paulo
que se encontra há meses com equipamento de radioterapia quebrado. Os pacientes
com câncer que utilizariam o sistema SUS para tratamento, só o realizam ao
provocar o Judiciário que obriga o Estado a pagar para serviços particulares,
por um custo quatro vezes superior ao realizado pelo SUS. Não seria mais
simples comprar nova máquina? Como os gestores podem evitar esses paradoxos
nocivos à Saúde?
De outro lado, são alarmantes os números de despesas do
Ministério da Saúde geradas por ações judiciais requisitando medicamentos não
disponíveis na rede pública, que vêm crescendo em ritmo cada vez maior. Nos
últimos três anos, o valor pago na chamada Judicialização da saúde saltou de R$
367 milhões em 2012 para R$ 844 milhões em 2014. Um aumento expressivo de 129%.
Essas ações são certamente motivadas pela falta de acesso a
tratamentos no SUS, seja por falta de disponibilidade dos medicamentos ou
porque eles não fazem parte da lista de tratamentos da rede pública.
Em outro levantamento recente da Interfarma (Associação da
Indústria Farmacêutica de Pesquisa), foi verificado que o Governo Federal
recebeu 225 pedidos para incorporação de novos medicamentos ao SUS nos últimos
três anos e, até agora, avaliou apenas 171. Desse total, mais da metade foi
negada (55%). Registre-se que o medicamento adquirido unicamente pelo
tratamento terá valor superior ao que teria uma grande compra, ademais o
medicamento já será por si inflacionado para o Estado dadas as despesas com o
processo.
Esse não tão recente surto de dengue em todo Brasil reflete
a dificuldade do brasileiro no atendimento básico. O brasileiro ainda morre nas
filas e nos corredores dos hospitais por falta de atendimento adequado, de
equipamento adequado, por falta de leito e de medicamento.
O avanço tecnológico é diário na área da saúde, mas não é
possível transformar esse potencial em atendimento aos pacientes do sistema
público. O oferecimento de tratamento de doenças crônicas como diabetes,
hipertensão e doenças graves como câncer carecem de soluções pontuais como a
inclusão de medicamentos na listagem SUS ou mesmo da manutenção de
equipamentos. A Saúde, porém, não consegue avançar politicamente nas últimas
décadas.
Espera-se que as políticas de saúde pública tratem o
indivíduo como parte de uma sociedade que requer mudanças e que carece de um
gerenciamento dos riscos, bem como de cuidados para os determinantes que tornam
certos grupos mais vulneráveis. Os projetos precisam ser pensados de forma
interdisciplinar, envolvendo vários autores (especialmente o grupo vulnerável),
sob pena de não se conseguir mudanças duradouras, mas sim soluções imediatistas
que não tratam diretamente da causa do problema de saúde.
Estamos parados no tempo. Se mudanças não começarem a serem
feitas de imediato, o brasileiro continuará ingressando na Justiça para não
morrer na fila ou no corredor de um hospital, enquanto o dinheiro público vaza
por outros meios, por exemplo, a Judicialização.
*Sandra Franco é
consultora jurídica especializada em direito médico e da saúde, presidente da
Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico-Hospitalar da OAB de São
José dos Campos (SP), presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da
Saúde, membro do Comitê de Ética da UNESP para pesquisa em seres humanos e
Doutoranda em Saúde Pública
**
Nenhum comentário:
Postar um comentário