Por que os brasileiros abominam os políticos corruptos e
frequentemente os reelegem? Por que 250 mil paulistas reelegeram Paulo Maluf,
mesmo depois de ele ter sido, na Suíça, o protagonista involuntário ("Sr.
Propina") de uma propaganda contra a corrupção mundial? Suely Campos (PP)
se tornou governadora de Roraima porque seu marido (ex-governador Neudo Campos)
foi barrado pela Lei da Ficha Limpa (foi preso e declarado improbo judicialmente).
Assumiu o cargo e nomeou 19 parentes para vários cargos públicos. Juntos
receberão R$ 398 mil por mês. Nepotismo deslavado. Justificou-se dizendo
"ser prática comum na história de Roraima [na verdade, faz parte da
história do Brasil]".
Nota-se que ela está
cumprindo o que prometeu na campanha: "Implementarei políticas para
mulheres, para jovens, crianças e também para a família". Mais uma
expressão do sistema hiperviciado brasileiro (veja Oliveiros S. Ferreira,
Teoria da Coisa Nossa), que criou um Estado com um lado monstruoso
caracterizado pela plutocracia (Estado governado ou influenciado por grandes
riquezas), cleptocracia (Estado cogovernado por ladrões) e genocidiocracia
(Estado que pratica ou tolera a violação massiva - e normalmente impune - dos
direitos fundamentais, direta ou indiretamente voltada para o extermínio de
pessoas predominantemente pertencentes a etnias ou classes sociais
desfavorecidas).
O "paradoxo do brasileiro" é uma provocação à
lógica. Não há brasileiro que não esteja indignado com "tudo isso que está
aí" (corrupção, roubalheira nos órgãos públicos, financiamentos eleitorais
indecentes, morosidade da Justiça etc.). Os padrões de convivência civilizada
sempre estão deteriorados. O moderno convive com o arcaico. Fabricamos aviões e
ainda contamos com 13 milhões de analfabetos (e 3/4 da população são
analfabetos funcionais).
Os serviços públicos são indecentes. As humilhações,
consequentemente, são constantes. O brasileiro anda descontente, angustiado,
indignado e revoltado com a situação do país, com a corrupção, com os políticos
desonestos, com as falsas promessas, com o nepotismo, fisiologismo (troca de
favores e benefícios) e tantas outras coisas. Todos com quem conversamos querem
mais ética e mais justiça, menos inflação, mais igualdade, mais eficiência no
serviço público; mais ordem, mais segurança, mais hospitais, mais médicos. Cada
um de nós protesta, reclama, amaldiçoa, abomina, critica.
Individualmente não concordamos com "nada do que está
aí". Temos a crença e o sentimento de que somos pessoalmente muito melhor
do que essa bandalheira que grassa pelo país afora. Ninguém aceita, ninguém
está de acordo com o mar de lama, o deboche e a vergonha da vida pública e
comunitária que nos aflige. Coletivamente, no entanto, o resultado final de
todos nós juntos é tudo isso que está aí (esse é o "paradoxo do
brasileiro", desenvolvido por Eduardo Giannetti, Vícios privados,
benefícios públicos?: 12 e ss.).
Pessoalmente (e no plano dos discursos: orais ou nas redes
sociais) somos (e vendemos) a imagem do que gostaríamos de ser (honestos,
probos, íntegros, avançados, progressistas, amistosos, cordiais etc.).
Discursamos sempre de acordo com essa imagem. Coletivamente
não somos nada (ou somos muito pouco) dessa imagem que gostaríamos de ser. É
por isso que o todo é muito menos que a soma das partes. Se o produto final
(nós como um todo) é horroroso, indecente, indolente, mal-afamado (a classe
política nada mais é que uma síntese ou espelho da sociedade que temos), como
isso pode acontecer, se nos nossos discursos somos éticos, exemplares, leais,
cordiais e probos? Por que discursamos como suecos civilizados e nossa
sociedade como um todo é, em termos civilizatórios, tão indecente, tão
aberrante, tão brasileira?
Por que discursamos como os melhores motoristas do mundo e o
resultado final são 45 mil mortos por ano no trânsito, milhares de aleijados,
mais de meio de milhão de feridos? Por que bradamos por honestidade e
reelegemos Maluf, Renan, Sarney e tantos outros políticos declaradamente
desonestos?
Eduardo Giannetti (citado) explica: "A auto-imagem de
cada uma das partes - a ideia que cada brasileiro gosta de nutrir de si mesmo -
não bate com a realidade do todo melancólico e exasperador chamado Brasil. Aos
seus próprios olhos, cada indivíduo é bom, progressista, e até gostaria de
poder 'dar um jeito' no país. Mas enquanto clamamos pela justiça e eficiências,
enquanto sonhamos, cada um em sua ilha, com um lugar no Primeiro Mundo, vamos
tropeçando coletivamente, como sonâmbulos embriagados, rumo ao Haiti.
Do jeito que a coisa vai, em breve a sociedade brasileira
estará reduzida a apenas duas classes fundamentais: a dos que não comem e a dos
que não dormem. O todo é menor que a soma das partes. O brasileiro é sempre o
outro, não eu". Nisso reside uma amostra da psicologia moral brasileira.
Que é volúvel. Há momentos de ufanismo com o país ("abençoado por Deus e
bonito por natureza"). Narcisismo inveterado. Fora dele, quanto mais a
situação do país piora, mais cultivamos nossa auto-imagem (de impoluto, honesto
a toda prova, probo, altaneiro). E quanto mais incrementamos nossa auto-imagem
individual, mais o coletivo se afunda na bandalheira, na roubalheira. Mais
reelegemos os políticos reconhecidamente corruptos. Esse é o "paradoxo do
brasileiro".
*Luiz Flávio Gomes é
Jurista e Professor
**P.
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Avante!
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