“Pedestre é associado a uma condição
social de pobreza”, diz Ghidini
Membro da Sociedad Peatonal discute a
falta de estrutura das cidades para o pedestre
*Poliane Brito
Todos sabem dos problemas ocasionados pelo transporte
motorizado nas cidades: a contaminação do ar por gases tóxicos, o consumo
energético, na maioria das vezes, não renovável. Mas ao longo do nosso dia,
nossas escolhas para os deslocamentos nem sempre demonstram preocupação com o
meio ambiente. Por vezes, deixamos de ir caminhando para ir de carro ou de
ônibus, seja por falta de planejamento ou por mera comodidade. Em uma conversa
com um dos fundadores da Sociedad Peatonal, o engenheiro civil Roberto Ghidini
Jr, a Perkons coloca em discussão, a “caminhabilidade” das cidades, as
políticas e incentivos para o pedestre.
Perkons: Sabemos
que o carro não é a opção mais sustentável para os deslocamentos em pequenas
distâncias, a bicicleta ou ir a pé seriam melhores. No entanto, no Brasil, são
poucas as pessoas que são pedestres espontaneamente. Por que temos essa
realidade?
Ghidini: Nascemos
e em um ano já somos pedestres e deixamos paulatinamente de ser à medida que,
quando crianças, ganhamos nossa primeira bicicleta e, definitivamente, quando
aos 18 anos tiramos nossa CNH. Aqui, o pedestre é associado a uma condição
social de pobreza: por não “poder” utilizar o transporte coletivo ou por não
“poder” comprar seu automóvel ou nem sequer uma bicicleta!
Associadas às questões da falta de respeito com o pedestre,
tanto pela pouca sensibilidade das administrações municipais, que não assumem a
execução e conservação das calçadas, como pelo rechaço social àquele que
poderia optar pelo ato de caminhar para realizar suas necessidades de
deslocamento, evidentemente teremos cada vez menos “pedestres espontâneos”.
Perkons: Se o carro não é a opção mais sustentável,
por que está em primeiro plano no urbanismo?
Ghidini: No caso
das cidades brasileiras, a maioria teve início ou salto em termos populacionais
durante século XX, portanto sob a égide do automóvel. Por isso, ficam evidentes
os desenhos urbanos com grandes avenidas e um sistema viário mais próprio para
veículos do que para pessoas.
Hoje, já se percebe a inclusão de outros modais no
planejamento urbano, devido a uma onda global que vem incrementando de maneira
significativa o uso das bicicletas como modal de transporte. Mas os
instrumentos de planejamento e os marcos legais pouco amparam a mais básica e
simples forma de locomoção: o modal a
pé.
Perkons: O que
poderia tornar mais atrativa a opção por ser pedestre?
Ghidini: Ainda
vemos muito descaso nas cidades. Não há como caminhar nas calçadas, cruzar a
rua em segurança, pois não temos regulação do tráfego não motorizado de forma
priorizada e segura. Cidades compactas com muita gente próxima umas das outras
é sem dúvida a grande estratégia. Tudo perto, tudo fácil: vou a pé!
Planejar cidades humanizadas significa em última análise
melhorar a forma das pessoas se relacionarem. A rua de qualidade atrai pessoas,
promove o contato, os locais de interesse e as relações fluem.
Perkons: Existem cidades onde encontramos modelos
urbanos voltados ao pedestre?
Ghidini: Há na
Europa um considerável número de cidades que através do planejamento urbano
conseguem manter baixos os índices de propriedade e uso de veículos individuais
e fomentam o transporte público e o uso de meios não motorizados.
A “peatonalização” – tornar os espaços amigáveis para o
pedestre - de âmbitos urbanos tem ganhado áreas, sobretudo em centros
históricos, da grande maioria das cidades europeias. Exemplo interessante é a
cidade de Vitória-Gasteiz, capital do país Vasco. Ela cumpre uma agenda
(2002-2020) que estabelece o planejamento participativo e reformulou toda a
política de mobilidade e meio-ambiente, energia, ocupação territorial etc. Em
2009, entrou em operação o novo sistema de transporte público com a redução de
17 para nove linhas de ônibus e uma linha tronco de tranvia (no Brasil
conhecido por VLT).
O objetivo foi formatar um sistema integrado temporal e
fomentar os deslocamentos a pé e em bicicletas. Para isso, foi reformulada uma
rede de vias para pedestre, desenhada para conectar zonas de interesse e
geradoras de tráfego, com implantação de sinalização específica, transposições
seguras ao sistema viário, isso gerou uma estrutura acessível, sociável e
segura. Também foi criado um sistema de empréstimo de bicicletas públicas e uma
rede cicloviária.
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