O jogo
*Amadeu Garrido
Brasil, terra leviana do jogo. Não se trata de não legalizar
cassinos. Inúmeros países têm cassinos legalizados e seus povos não são vítimas
de tanta podridão. Entre nós, o azar é
inerente à gerência da coisa pública. Sem a natureza aleatória do azar. Somente
nos últimos tempos, a polícia e outros órgãos intervieram nos cassinos. A duras
penas, a operação continua. Grupos políticos fortíssimos atuam para reabrir o
cassino oficial.
Dispensar licitação indispensável é ganhar sem risco. O
risco é ser pego. Os jogadores consideravam, e ainda o fazem improvável. Jogo
ainda mais lucrativo: dispensar licitação e, depois, aditar contratos. Tudo à
margem da lei. Os cassinos legalizados têm obrigações legais, que são cumpridas
se não há leniências na fiscalização.
Presidencialismo de compromissos é dizer, de jogos. Brasília
é nosso imenso antro de jogatinas. Creiam que, se a Lava Jato acontecesse em
Brasília, já teria deixado de acontecer. Tudo se negocia com o Estado. Estado
total e metastasiado, nos três níveis de poderes. Certamente, estamos
procurando estancar a jogatina. A partir da República de Curitiba. O desastre é
tão grande que um juiz de primeira instância, em sua singeleza, simplesmente no
exercício de suas funções, figurou na Forbes.
O maior problema é que as coisas, aqui, quando não são ruins
para o povo, tendem a ser transitórias. Passado o pico do stress, tudo volta
como antes no quartel de Abrantes. As melhores ideias para construção de um
país digno de viver existem e são apresentadas em profusão, por uma minoria
honesta. Todavia, deixa-se passar algum tempo, para que sumam na poeira das
estradas. Há propostas decenárias, vintenárias, que ainda são apresentadas, por
gerações que não as viram e ainda não se desiludiram.
Nas circunstâncias, por que não ao fim do presidencialismo?
Porque o parlamentarismo torna muito mais difícil as trambicagens. A
onipotência dos governantes é reduzida. O Primeiro-Ministro tem missão a
cumprir e deve explicações - preferencialmente semanais - às casas do povo. Ah,
estas são antros de prostituição. Não discordamos. Porém, reforma política que
mereça esse nome também envolve sua reformulação. O "recall" é um
instituto de emergência na política brasileira. Idem o voto distrital misto,
com listas da sociedade e, não, das cúpulas partidárias. A redução dos partidos
a um número razoável não é antidemocrática. Democracia não é anarquia.
Permitir-se apenas dois mandatos parlamentares não é destruir coisa alguma,
salvo a "categoria" ou a "classe" política, que não tem
categoria nem classe.
O Presidente da República, no parlamentarismo, tem fortes
poderes. Acreditam que não, porque não governa. Mas poderes maiores do que o
poder de desativar o gabinete dissolver o Parlamento e convocar eleições
gerais? Temos, também, cultura política
capaz de aperfeiçoar o Parlamentarismo, a cujos parâmetros não devemos nenhuma
cega obediência doutrinária. No lugar do Presidente ou de um Rei, a escolha de
um grupo, talvez não superior a cinco, entre várias listas de nomes submetidas
ao voto popular.
Parlamentarismo sem rei, sem Presidente, Parlamentarismo do
povo; que, como dito, pode enganar-se, mas não há atividade humana sem risco. E
os mandatários sempre têm prazo determinado para exercer suas funções. Já
sofremos durante séculos. É razoável esperar que acertemos numa próxima
escolha.
Todas essas questões podem ser apresentadas, com a
simplicidade que lhes é inerente, em tempo curto, a um plebiscito do povo
brasileiro. Incutiu-se na consciência do povo brasileiro que plebiscito e
parlamentarismo são coisas ruins. Ora, existem coisas mais ruins que os últimos
acontecimento? Até quando vamos
suportar? A "classe política" sente a forte indigestão de todas essas
ideias. Podem significar, e significarão seu fim. É uma classe que se
locupleta, portanto não há suicidas entre eles. Formaram uma casta, e, como se
sabe, casta são como placas cardíacas: calcificam-se, sem retorno. Porém, o
domínio das ciências não sofre do mesmo determinismo da biologia. Em princípio,
tudo é preciso fazer, embora, em princípio, as mudanças importantes são
produtos de embates graves.
O povo brasileiro foi às ruas. E isso, salvo o verniz dos
discursos parlamentares, não mudou a cabeça de quem quer conservar poderes e
privilégios. Talvez as melhores consciências do povo tenham acabado em campos
opostos, em falso debate, considerados nossas necessidades. O impeachment era
indispensável, visto que os últimos governos do Partido dos Trabalhadores nos
levariam a um poço obscuro e sem volta, se esse partido permanecesse no poder.
O governo provisório só terá méritos se, além de repor,
ainda que em parte, a economia política e as finanças públicas no eixo,
preparar essas providências de forma de exercício do poder durante o tempo que
lhe resta. Começaríamos o novo período governamental sob novas e salutares
regras, compatíveis com a vontade popular. Sabemos que tudo farão para não as
implementarem, mentirão e divulgarão demagogias. É o destino de um país que não
tem patriotas no número que seria necessário; tem puros e simples
estelionatários da coisa pública.
Por isso tudo é que percebemos o cinismo desses delinquentes
quando se opõem, por exemplo, à legalização dos bingos, porque traria por
arrastamento o crime organizado, como se esse, em nossas terras, já não fosse
um dos maiores do mundo. Não é primordial legalizar jogos, mas, se assim é, que
não tenhamos cassinos de nenhuma espécie, sobretudo em pleno funcionamento nas
entranhas de um Estado, pomposamente denominado pela Constituição Federal de Estado
Democrático de Direito.
*Amadeu Garrido é
advogado e poeta, autor do livro Universo Invisível, membro da Academia
Latino-Americana de Ciências Humanas.
**De León
Comunicações
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