Antigas pescarias de um
menino
de Morro Agudo
Na
realidade, no Morro Agudo daquele tempo, isto é, de 1930 a 1940, havia duas
espécies de pescaria: uma, no Córrego do Chapéu, que atravessava a cidade,
menos perigosa, com meninada da arraia miúda, com tralha (“traia”, dizia a
meninada) de pesca leve, sem quase correr perigo porque dos dois lados do
Córrego ficava o fundo dos quintais das casas, tornando-se contudo mais
perigosa a pescaria à medida que se afastava da cidade; a outra pescaria, no
Ribeirão do Agudo (cujo nome também derivava do lendário morro “agudo”, porque
nascia ali, perto dele), já era perigosa e nela só se aceitava moleque que
nadasse bem para atravessar o ribeirão em caso de emergência, e tivesse sua
própria “traia” de pesca. Contudo, havia ainda uma terceira pescaria, mais
rara, nas lagoas, onde sempre todo moleque tinha medo de jacaré, sucuri e
cobra.
Por mais de
um motivo, todo menino pescador tinha que saber nadar: primeiro, para não se
afogar caso caísse no rio; segundo, para numa eventual fuga de vaca braba ou de
qualquer bicho ou coisa, ter que atravessar o Ribeirão, procedendo-se do
seguinte modo: “Em fila indiana, todos pelados, com a roupa amarrada pela cinta
em cima da cabeça, nadando cachorrinho com o corpo todo dentro d’água menos a
cabeça, sem barulho, atravessava-se o rio, tendo antes dois ou três levado as
varas e tralha de pesca”. Duas regras: a primeira, moleque só nadava pelado;
segunda, jamais menina ou mulher participava de pescaria.
Quanto às
pescarias no Córrego do Chapéu, eram com peneira, ou com varinhas de
bambu-jardim, pacientemente preparadas pela própria molecada, num ritual
tradicionalmente repetido e herdado de seus antepassados e que consistia no
seguinte: “Uma vez maduro o bambu-jardim, cortava-se a vara escolhida no pé
dela e, depois, por meio de uma faca bem amolada, retiravam-se-lhe todos os
seus galinhos, cortando-os rente ao bambu; em seguida, pegava-se a vara e,
rodando-a na mão, o menino a passava ao fogo, de maneira que, sem queimá-la,
pudesse, através de esfregadas de um pano por várias vezes, ser retirado o óleo
que brotava de toda sua extensão verde; continuando na operação, um menino
subia numa árvore ou em qualquer coisa alta e amarrava nela a vara com o pé em
cima e a ponta, presa num peso, para baixo de modo a esticá-la; nessa posição,
permanecia dia e noite durante mais ou menos uma semana; findo esse tempo, o
menino, feliz e bem municiado, desamarrava a vara que, amarela (e não mais
verde) e leve, por estar seca e sem óleo, permanecia retinha para sempre e
pronta para pescar, conforme o tamanho dela, ou no Córrego do Chapéu, ou no
Ribeirão do Agudo”.
Duas
recordações folclóricas das pescarias com peneira (entende-se peneira daquelas
grandes de peneirar café): a primeira, mais de uma vez, ao suspender a peneira,
para ver e retirar os peixes, vinha o rolo de alguma cobra, geralmente
jararacuçu (a meninada pronunciava “jaracuçu”), dentro da peneira que era
imediatamente jogada de lado em meio à gritaria da molecada que debandava; a
segunda recordação: apesar do perigo das cobras e de outras coisas, a meninada
pescava descalço e, por isso, às vezes, tinha que interromper a pescaria e
apressadamente correr para casa ou para a Farmácia do Sô Viana por causa de um
corte feio provocado por caco de vidro que, no fundo do Córrego do Chapéu,
pegava o pé descalço de algum moleque.
*Nota:
trecho retirado do meu livro: “Dr. Tobias: sua Vida e a UNIFLOR”, encontrado
com várias pessoas de Morro Agudo.
**Prof. Dr.
José Antonio Tobias
Alta
Floresta/MT
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