*Luiz Flávio Gomes
Rodrigo Janot (Procurador-Geral da República) e Teori
Zavascki (ministro do STF e relator do caso Lava Jato) estão equivocados (data
vênia): não há nenhum impedimento legal ou constitucional para investigar se
Dilma Rousseff (e seu partido: o PT) teria recebido, em 2010, sob a forma
camuflada de "doação eleitoral", dinheiro gatunamente surrupiado da
Petrobras. Ao que tudo indica, a cleptocracia nacional (roubalheira das classes
dominantes e reinantes) estaria, de forma surreal (por meio de doações
eleitorais) lavando dinheiro infecto vindo da corrupção. Eventuais contradições
nas falas de Paulo Roberto Costa e Youssef (delatores-gerais da república
cleptocrata) não constituem obstáculos, ao contrário, são motivos energizantes
da investigação.
Nada impede tampouco (aliás, tudo recomenda) que se
investigue se o dinheiro, eventualmente dado a Sérgio Guerra (R$ 10 milhões) e
a Eduardo Campos (R$ 20 milhões), teria também beneficiado o PSDB (campanha de
José Serra de 2010) e o PSB (campanha ao governo de Pernambuco em 2010) como
"petropropinas que viraram doações eleitorais". Todos os partidos
suspeitos (companheiros, atentem, todos!) devem ser devidamente investigados
para o efeito de se constatar se é verdadeira a tese (que já ganhou foros de
voz corrente) de que eles se transformaram em facções criminosas organizadas
para pilharem impiedosamente o patrimônio público. Em caso positivo, devem ser
extintos tais partidos, sem dó nem compaixão. O expurgo de tumores corruptivos
gera a profilaxia do corpo societal e estatal.
O princípio republicano exige que o Brasil (incluindo a
corrupção das suas classes sociais dominantes e reinantes) seja passado a limpo
(desde a raiz). Investigar a presidenta (e) Dilma por atos supostamente
criminosos e ladravazes não é a mesma coisa que abrir "processo"
contra ela. Janot e Teori, neste particular, confundiram as coisas (quando
arquivaram a possibilidade de investigação de Dilma, citada 11 vezes nas
delações até aqui reveladas). Tudo foi didaticamente bem explicado pelo min.
Celso de Mello no Inq 672-DF. Abriu-se investigação apenas contra Palocci (que
teria sido o intermediário de um empreendimento criminoso com fachada de
"doação eleitoral"). Mas a investigação precisa ir mais fundo, para
alcançar os "andares de cima" assim como os pilares corroídos dos
partidos políticos. Limpeza pela metade é típica de um País de faz de conta. É
uma farsa.
O citado art. 86, § 4º, da Constituição, diz que "O
Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser
responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Leiamos
com atenção: não pode ser "responsabilizado", ou seja,
"processado criminalmente em juízo" e, eventualmente, condenado, por
atos estranhos às suas funções. Estranhos ou anteriores às funções, como foram
os atos da campanha eleitoral de 2010. O que se prevê na norma citada é uma
imunidade temporária do chefe do Estado. Imunidade relacionada com o
"processo criminal" (em juízo), não com a investigação (ato de
comprovação de um crime). Investigados todos podemos ser (quando há indícios
mínimos de uma infração penal). Mesmo porque, se os fatos não forem
investigados as provas (com o tempo) desaparecem. Sem provas jamais haverá
condenação. Imunidade temporária do Presidente da República não significa
impunidade perpétua (que é o privilégio desfrutado pelas classes dominantes
e/ou reinantes). Investiga-se o fato e processa-se o presidente depois de
cessadas suas funções.
O sistema republicano é absolutamente incompatível com o
princípio da irresponsabilidade penal absoluta do Presidente da República. O
Brasil é uma república, não uma monarquia. Dilma é presidente (a), não
Imperadora ou Rainha. Não existem poderes ilimitados na República. Falar de
República é falar de responsabilidade (de todos). Até o Presidente da República
é súdito das leis vigentes.
Nos crimes funcionais (praticados "in officio"
ou "propter officium") o Presidente da República pode ser processado
criminalmente (perante o STF) durante o exercício do seu mandato (exige-se
aprovação da acusação por 2/3 da Câmara dos Deputados). Nos outros crimes
(estranhos à função ou anteriores a ela) o "processo criminal" não
pode ser instaurado, mas pode haver investigação (aliás, pode e deve). É essa
lógica incensurável que o STJ aplicou (na semana passada) para autorizar a
investigação dos governadores Pezão (RJ) e Tião Viana (AC). Governador não pode
ser "processado criminalmente" sem autorização da Assembleia
Legislativa. Mas ser "processado" não é a mesma coisa que ser
"investigado".
O agravo regimental interposto pelo PPS contra o ato do
ministro Teori Zavascki que mandou arquivar de plano as investigações criminais
contra Dilma deve ser acolhido. Suas eventuais condutas criminosas não podem
ficar no esquecimento. Dilma deve ser investigada criminalmente. Impõe-se, de
outro lado, que o Procurador-Geral da República abra uma linha de investigação
específica contra os partidos políticos. Se confirmada a tese de que se
converteram em facções criminosas organizadas (por terem recebido
"petropropinas" numa ação orquestrada), devem ser extintos e banidos
do cenário eleitoral brasileiro. Somente assim o Brasil será passado a limpo.
*Luiz Flávio Gomes é Jurista, Professor e presidente do
Instituto Avante Brasil
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