O clientelismo terá fim?
*João Doria
Costuma-se definir o clientelismo como um dos galhos da
árvore patrimonialista plantada em nosso território pelos colonizadores. Faz
parte da copa composta pelo coronelismo, nepotismo e fisiologismo. O fenômeno
estaria colado ao ethos nacional, sendo um instrumento de serventia no balcão
das trocas políticas e motor de impulso à manutenção e à expansão de poder.
Sob essa leitura,
emerge a questão: como se apresenta hoje o clientelismo no Brasil? De um lado,
seu arrefecimento aceleraria o processo de mudança de padrões e, de outro,
protelaria o ciclo da transparência, da ética e da racionalidade.
Chama a atenção o fato de que o clientelismo, historicamente
associado às trocas e recompensas entre demandantes das margens sociais e
patrocinadores, tem se fixado entre as classes mais elevadas.
Ou seja, os arranjos
clientelistas, apesar de ainda se concentrarem com mais intensidade junto aos
contingentes menos favorecidos, como modelagem de cooptação político/eleitoral,
passaram a abarcar segmentos da classe média.
A abertura de núcleos mais categorizados aos recursos
patrimoniais do Estado integra projetos expansionistas de poder, de interesse
de partidos e mandatários. A política de acesso ao crédito e ao consumo
estabelecida no governo Lula, por ocasião da crise global de 2008, possuía um
viés populista/clientelista.
A ascensão de milhões de brasileiros para a classe C, sob a
embalagem de amplo programa de distribuição de renda, teve seus méritos. Mas é
inegável que a estratégia eleitoreira embutida no movimento propiciou, em 2010,
a eleição da presidente Dilma. Hoje, aquela engenharia econômica cede lugar a
um quadro recessivo.
O Bolsa Família, idealizado para estender os braços do
Estado aos necessitados, contribuiu para retocar a imagem das administrações
petistas, principalmente no período Lula. E agora se esvai no refluxo que
corrói o poder de compra dos mais pobres. Esta é a pior maldade do
clientelismo: num primeiro momento, oferecem-se pacotes de bondades para atrair
a simpatia e o voto. Depois, eles aparecem vazios.
O exercício do poder
pautado no clientelismo não resiste ao tempo. Não se deu às 12 milhões de
famílias que usufruem o Bolsa Família a bússola para um novo caminho. Na
perspectiva do desenvolvimento, o programa deveria diminuir a cada ano o número
de contemplados. Sob a ótica do clientelismo, o número se expandiu.
Em vez de alimentar o
clientelismo, os governos poderiam pautar suas ações numa agenda de prioridades
e sustentada por valores da simplicidade, zelo, rigor e controle.
Na nossa cultura a
"res publica" é vista como coisa nossa, o dinheiro dos cofres do
Tesouro tem fundo infinito e o Estado é visto como um ente criado para garantir
o bem-estar. O jeito perdulário de ser do brasileiro começa com a visão do
Estado-providencial, no qual se abrigam a ambição das elites políticas e o
utilitarismo de oportunistas.
Quais seriam os caminhos mais curtos para diminuir o Produto
Nacional Bruto do Clientelismo? Ordem e disciplina nos gastos. Rigor no
preceito constitucional da economicidade e moralidade. Coordenação eficaz dos
planos de obras. Qualificação e treinamento dos quadros funcionais. Elevação
geral da educação do povo. Decência e honestidade na gestão pública.
*João Doria, 57, jornalista e empresário, é presidente do
Lide - Grupo de Líderes Empresariais
Nenhum comentário:
Postar um comentário