Somos bons para protestar e covardes
para agir
* Luiz Flávio Gomes
Afora os senhores neofeudalistas (bancos, por exemplo, com
lucros estratosféricos de bilhões em tempos de vacas magras para a maioria da
população[1]), os cidadãos proprietários, os assalariados despossuídos e os
marginalizados estão vendo o Brasil com espanto e muito desapontamento. Acham
que tudo virou (ou está virando) um caos (à beira do colapso – cf. Jared
Diamond, Colapso). Não pensam assim, evidentemente, quem está sugando a riqueza
produzida pelos precariados e necessitados. Somos, no entanto, um dos campeões
mundiais em indignação, mas raquíticos e covardes na ação (veja a iniciativa
popular do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral para coletar adesões para a
reforma política: apesar de todo esforço empreendido por mais de 100 entidades
nacionais, nem um milhão de assinaturas conseguimos alcançar).
Temos muita dificuldade em transformar um protesto em um
projeto de vida comum. Por quê? Dentre outras, três razões se destacam: (a) os
interesses mais duradouros de todos que vão para as ruas não são idênticos; (b)
somos muito personalistas e (c) praticamente tudo, inclusive as coisas muito
sérias, levamos para o campo da carnavalização (Empoli, Hedonismo e medo). A
mídia internacional enfocou os protestos de 16/8/15 como uma festa: “as
manifestações ocorreram em clima de festa”; “uma atmosfera de carnaval
caracterizou as marchas” (Financial Times); “as manifestações foram bem
humoradas” (The Guardian); “o ambiente foi carnavalesco” (CNN).[2]
Nosso personalismo é herança ibero-americana (como diz S. B.
De Holanda, Raízes do Brasil): “O índice do valor de um humano infere-se, antes
de tudo, da extensão em que não precise depender dos demais, em que não
necessite de ninguém, em que se baste”. Vemos as ruas lotadas, bandeiras e
protestos por todos os lados, mas não temos um projeto comum de comunidade.
“Cada qual é filho de si mesmo, de seu esforço próprio, de suas virtudes – e as
virtudes soberanas para essa mentalidade são tão imperativas, que chegam por
vezes a marcar o porte pessoal e até a fisionomia dos humanos” (Holanda, cit.).
Do nosso acentuado personalismo resulta “largamente a
singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que
impliquem solidariedade e ordenação entre esses povos. Em terra onde todos são
barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força exterior
respeitável e temida” (Holanda, cit.).
O povo brasileiro indignado, com dificuldade, consegue se
aglomerar e até mesmo se unir em torno de algumas causas públicas (“Fora
Dilma”, “Fora PT”, “Fim da corrupção”), mas sempre com a cabeça voltada para as
mais visíveis, que precisam ser atacadas, não há dúvida, embora constituam
somente o lado externo (mais perceptível) do problema. Vemos o cisne nadando,
elogiamos sua elegância, sua cabeça ágil, sua versatilidade, mas não
conseguimos enxergar (nem valorizar) as duas patas que estão debaixo d’água
trabalhando ardorosamente para a promoção dos seus movimentos. Para o aspecto
do esforço e do invisível é que não voltamos nossa atenção, a não ser
raramente.
Com pensamentos
lineares (frequentes), temos muita dificuldade para ver todos os ângulos das
questões (e dos problemas). Quase sempre queremos um atalho (que nos permita o
conforto de acharmos que já dominamos a situação). Adoramos ver apenas metade
da realidade. O buraco do Brasil, no entanto, não reside apenas naquilo que é
visível (no governo e nos políticos de cada momento, invariavelmente corruptos em
maior ou menor grau), senão, sobretudo, naquilo que está por trás (que é um
sistema de dominação extrativista, parasitário e largamente criminoso, estando
aí a Lava Jato para comprovar que nossa acusação não é leviana).
. Valor Econômico 14/8/15: C1.
[2] Cf.
http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/08/16/midia-estrangeira-destaca-clima-de-carnaval-du...
*Luiz Flávio Gomes é
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do
Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito
(1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001)
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