Governo transforma, mas
não produz
*José Pio Martins
De vez em quando, afirmo que governo não produz riqueza e
não dá nada à sociedade que antes dela não tenha tirado. Leitores indignados
escrevem dizendo que isso é um absurdo, pois o governo produz estradas, pontes,
assistência à saúde e outros serviços públicos. Imagino que sejam leitores sem
instrução formal em teoria econômica, que é a explicação de como o sistema
funciona. O problema começa por não compreenderem o significado da palavra
“produzir” em economia.
Imagine uma vila de pescadores com mil habitantes. Todos
pescam e produzem três mil quilos de peixe diariamente. Eles se alimentam dos
peixes e dormem embaixo das árvores. A riqueza criada – os três mil quilos de
peixe, que antes de serem pescados eram apenas “recursos naturais” – torna-se
bem de consumo somente após o “trabalho” dos pescadores (que são, ao mesmo
tempo, produtores e consumidores).
Certo dia, eles resolvem construir um conjunto habitacional
comunitário, para o que decidem entregar metade dos peixes (1,5 mil quilos
diários) a uma construtora da vila vizinha, contratada para fazer a obra. Um
pescador chato, que entende de economia, diz: “mas os senhores estão dispostos
a reduzir o consumo diário de peixes em 50% para entregar a metade da produção
em troca das casas?” Primeira lição: como a produção total de uma nação é
limitada, quanto mais investimento (casas), menos consumo (peixes), e
vice-versa. Apesar disso, eles decidem ir em frente, pois é a única forma de
terem o conjunto habitacional.
Para administrar e fiscalizar toda a operação de recolher os
peixes e entregá-los à construtora, os moradores elegem, entre os pescadores,
um líder e nove auxiliares. O pescador-economista, chato como sempre, pede a
palavra de novo. “Vocês se deram conta de que os dez pescadores eleitos
deixarão de pescar, pois terão de trabalhar no ‘serviço público’ de gestão da
obra? E que os outros 990 terão de alimentar os 10 eleitos?”
Terminada a obra, todos estão magros, pois tiveram de cortar
seu consumo à metade e dar mais 30 quilos diários de peixe para alimentar o
líder e os nove auxiliares. Terminada a obra, o líder faz um belo discurso para
mostrar o quanto ele e sua equipe produziram. Na prática, o líder e os
ajudantes não criaram riqueza alguma, não produziram nada. Eles tomaram metade
dos peixes produzidos pela comunidade (impostos) e “transformaram” em casas.
Também tomaram mais 30 quilos/dia de peixes para alimentar a si mesmos, os
“servidores do povo”.
Pois é só isso que o governo faz: retira parte da riqueza
produzida pela sociedade e a transforma em outra coisa. O governo sempre será
uma fração do que a sociedade (pessoas e empresas) produz, nunca mais que isso.
Uma empresa estatal, como a Petrobras, é classificada na entidade “empresas” e
não na entidade “governo”. O governo somente pegou o dinheiro do povo e
construiu a empresa, a qual passa a produzir e vender seu produto. Logo, ela
vive de vendas e não de impostos.
Mas, quanto aos serviços públicos, o governo os oferece com
os recursos obtidos da sociedade via impostos, que são uma fração da produção
nacional (renda e produto são as duas faces da mesma moeda). Como os serviços
públicos são executados por pessoas e as obras públicas são produzidas por
empresas, o governo somente tem a função de transformar uma riqueza (peixes) em
outra coisa (casas).
*José Pio Martins é economista e reitor da Universidade
Positivo.
**Central Press
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