O agressor de um animal não é apenas
um covarde. É também um potencial criminoso
*Rafael Teodoro
Sempre
considerei os maus tratos aos animais uma das piores atrocidades que o ser
humano pode cometer. Tanto que a morte da cadela Baleia, narrada num dos capítulos
do clássico “Vidas Secas”, foi para mim uma experiência terrificante — ainda
mais quando descrita pela pena de um gênio como Graciliano Ramos.
Animais não
podem defender-se sozinhos. Ficam reféns dos homens, da sua crueldade. Nem
mesmo entendem por que apanham. Veem o seu dono e pensam logo em alguém que
lhes há de dar amor, carinho, atenção. Que surpresa desagradável, então, é
levar uma bordoada, um chute ou qualquer outro tipo de ataque. Quem bate não
faz ideia de como sofre o animal. Quem bate não percebe como, pouco a pouco, a
agressividade contamina-o.
Não é
preciso ser um especialista para intuir a covardia daquele que maltrata um
animal. Seja de que espécie for, a violência é censurável. É covarde quem
espanca um cão doméstico com uma vassoura, ou deixa o gato a passar fome por
miar demais. É igualmente covarde o dono do circo, que deixa o leão preso na
jaula — doente, a definhar — ou que adestra o elefante espancando-o com uma
vara de pau. Doméstico ou selvagem, pouco importa: a violência contra os
animais é inaceitável.
Penso nas
leis e fico sabendo que o direito os considera meros objetos. Mas que objetos
são esses que nos trazem tanta alegria, tanta felicidade? Quem alguma vez supôs
que uma panela pudesse ser sua companheira? Quem alguma vez viu um relógio
abanar o rabo? E no entanto é comum ver o sujeito que sevicia um animal dar um
tratamento de filho ao seu automóvel.
Por falar em
carro, outro dia peguei uma carona com uma amiga. Saíamos do trabalho. Eu a
aviso para desviar do buraco: “Cuidado, pode empenar a roda”. “Ah, nem me
fala”, ela responde. “Já tive problemas demais quando atropelei uma cadela a
caminho da universidade.” Então a interrompo antes que prossiga com a
narrativa. Procuro mudar de assunto. Finjo existir outro buraco. Não havia.
Queria mesmo era impedi-la de dizer-me os detalhes; recusava-me, por julgar
demasiado doloroso, a imaginar o atropelamento. Quantos cães e gatos são
atropelados todos os dias no trânsito violento do nosso País? Essa é uma
estatística inexistente. Porque animais são objetos — e objetos são
descartáveis. Podem ser para o direito e suas frias leis. Não o são para mim.
Mas o
agressor de um animal não é apenas um covarde. É também um potencial criminoso.
Pelo menos é o que revela a pesquisa feita pelo chefe de operações da Polícia
Militar Ambiental de São Paulo, capitão Marcelo Robis Nassaro. Em sua
dissertação de mestrado, ele analisou os dados daqueles que foram autuados por
maus-tratos a animais. Descobriu então que muitos dos agressores haviam se envolvido
em outros crimes. Na verdade, seu estudo inspirou-se noutro, realizado nos
Estados Unidos, quando pesquisadores constataram que serial killers registravam
em comum um histórico de agressão a animais.
No Brasil,
há exemplos emblemáticos de violência contra os bichos. Tivemos o caso da
enfermeira que espancou seu cachorro da raça Yorkshire até a morte. Tivemos
também o caso do prefeito de Santa Cruz do Arari, no Pará, que autorizou o
extermínio dos cães da cidade, o que era feito da maneira mais cruel possível.
E o que dizer dos assassinatos de touros neste evento estúpido que atende pelo
nome de tourada? Que dizer das festas de peão, com rodeios promovidos à custa
da sevícia de bois e cavalos?
No fim, a lição que fica das pesquisas, bem
assim dos tristes exemplos que recordei, é uma só: as agressões contra os
animais constituem o primeiro estágio na escalada do crime. Quem põe um galo
para brigar até a morte numa rinha, quem quebra as asas de uma ave, quem
fustiga um jumento com o junco está a um passo da mesma covardia que acomete
aquele que espanca uma mulher, que sevicia uma criança, que toma em mãos um
revólver disposto a matar. Em todos esses casos, sobra sangue frio, falta
respeito à vida. A violência é a mesma.
*Rafael Teodoro é colunista da Revista
BULA
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