Fome que só existe lá
longe
*Jacinto Flecha
Depois de muita ilusão fabricada e propagandeada sobre
reforma agrária, afinal já se começa a cair na real. Não sobre a reforma
agrária que “todo mundo quer”, mas sobre essa da propaganda. É estranho, mas
“todo mundo” diz que “todo mundo quer a reforma agrária”; os motivos são os que
“todo mundo sabe”; e deve ser feita do modo que “todo mundo” imagina. Mas se
alguém põe a mão na massa e começam a aparecer os resultados, o que “todo
mundo” vê não é o que “todo mundo” queria ou imaginava. Muito estranho...
Faz lembrar a demagogia de políticos falando em nome do
“povo”. O que entendem por “povo” não é bem o que “todo mundo” entende por
“povo”. Não espere o leitor que eu explique isso. Seria muito cansativo, além
de desnecessário. Afinal... bem, todo mundo entende.
Nos primórdios da aplicação do Estatuto da Terra, houve umas
experiências de distribuição de glebas para colonização. Um assentado recebeu
sua gleba e trocou-a por uma bicicleta. Os que batucam a toada da reforma
agrária se irritaram e protestaram, intensificando a batucada. Não sei o que
propunham, mas é claro que a proposta pioraria ainda mais o sistema, que já era
ruim.
Não adiantava apontar minhas flechas para esses demagogos, e
limitei-me a comentar com meus botões: O sujeito está querendo uma bicicleta, e
dão terra para ele; é claro que na primeira oportunidade ele vai trocar a terra
pela bicicleta. E agora me lembro de um detalhe que esclarece muita coisa: O
pessoal da reforma agrária queria proibir os assentados de vender a terra que
recebessem, transformando-os assim em servos da gleba ou do governo, num
coletivismo agrário que só dá certo na cabeça enviesada de comunistas. Deus nos
livre desses progressos e maravilhas!
Os agro-reformistas agem por motivos ideológicos, e a
realidade profunda não lhes interessa. Se eu não soubesse disso, poderia até
entoar um coro altissonante contra a ingratidão desses pobres. Acontece que a
realidade profunda está bem mais para o que mostra uma canção de algumas décadas
atrás. Dizia assim:
Se compro na feira feijão, rapadura, pra que trabalhar?
E um versinho conhecido no Vale do Paraíba (SP) insiste:
Quando me vem aquela vontade louca de trabalhar,
Eu fico quietinho no meu cantinho
Esperando a vontade passar.
Um grande milagre
idealizado pelo governo pretendia acabar com a fome. Longe de mim propor que
não se acabe com a fome, tanto mais que a única fome confirmada pelas
estatísticas parece ser a dos que fazem regime para emagrecer. Mas vamos
ponderar umas coisinhas.
Não espanta que o governo tenha elucubrado um projeto
milagroso para eliminar a fome. E autoridades de Guaribas – considerado o
município mais pobre do País, por isso mesmo escolhido para iniciar a aplicação
do milagre – confirmaram que o povo de lá é pobre, mas negaram que haja alguém
passando fome. Se burocratas tão clarividentes, tão esbanjadores do dinheiro
público, querem dar dinheiro mensalmente a essas pessoas, é claro que ninguém
vai recusar. Mas se eles já não passam fome, vão aplicar o dinheiro em outra
coisa. E fazem muito bem. Consigo até prever resultados como o de um projeto
assistencialista de governos anteriores:
Plantando dá,
Não plantando dão.
Pra que plantar?
Não planto não.
Conforme se anunciou, o objetivo do plano miraculoso é
permitir que cada brasileiro tenha três refeições por dia. Ainda bem que se
falou em permitir, e não em obrigar, pois eu me limito a duas refeições
diárias. Mas nunca se sabe se os socialistas utópicos vão assumir sua face
ditatorial, de modo que já vou me preparando para ser obrigado a três refeições
diárias.
Muito comovente o exemplo evocado por um figurão de origem
humilde, que só conheceu pão com a idade de sete anos. O que não o impediu,
aliás, de adquirir aquele perfil bem nutrido e uma esperteza que alguns elogiam.
Incluam-me também nesse muro das lamentações, pois na fazenda onde nasci não se
comia pão. Só havia biscoito de farinha, biscoito de polvilho, rosca doce,
rosca seca, bolacha, rosquinha, sequilho, quebra-quebra, broa de fubá,
calcanhar-de-negro, bolo, bolinho, sonho, brevidade, pastel, croquete,
rocambole, panqueca, empada, omelete, curau, pamonha... Acho que estou
esquecendo alguma coisa. Ah! havia pão de Lot e pão de queijo. E nunca vi por
lá o tal “pão que o diabo amassou”.
O curioso é que “todo mundo” sabe que a fome existe. Mas
nunca por perto, sempre lá longe, aonde ninguém foi nem vai para confirmar.
*Jacinto Flecha é
médico e colaborador da ABIM
**Agência Boa
Imprensa (ABIM)
Nenhum comentário:
Postar um comentário