A outra face da crise na saúde
*Bráulio Luna Filho
A violência não é um acidente na história. Há quem diga que
o processo civilizatório é também uma tentativa de domesticá-la, já que é
impossível aniquilá-la. No entanto, em pleno século XXI, ainda é desconcertante
quando a violência agride o trabalho de uma categoria inerentemente pacífica
cujo escopo é o alívio dos sofrimentos humanos. É o que acontece nos últimos
tempos, nas principais áreas urbanas do estado de São Paulo, com os médicos e
demais profissionais de saúde!
A injustiça social tende a ser apontada como a causa
subjacente das principais formas de violência. Na área médica, isso implica em
más condições de trabalho e estruturas inadequadas para o exercício
profissional. Mas aquilo que era um fenômeno esporádico, fruto do desespero de
um ou outro usuário do serviço público e privado, vem se generalizando e
alcançando uma dimensão que cria um círculo vicioso de difícil interrupção pela
omissão das autoridades! A consequência
imediata é o aumento da dificuldade dos serviços de saúde em manter
profissionais nos locais onde as agressões são frequentes.
Paradoxalmente, aquilo que deveria ser o estopim para
mudanças emergências, torna-se nêmese do fracasso de um sistema de saúde que
não se equipa para atender às demandas da população. E pasme! Não obstante, os
apelos das entidades médicas, dos colegas agredidos e da ampla divulgação na
imprensa, tudo isso, não têm sido suficientes para criar uma mobilização que
aponte no equacionamento dessa situação.
O CREMESP - entidade pública que supervisiona e regulamenta
a prática médica, defende o exercício profissional ético e de qualidade - não
tem medido esforços nesse cenário nada promissor. Não bastassem às audiências
com autoridades locais e estaduais, mais recentemente, temos discutido com
setores responsáveis pela segurança pública como enfrentar esse grave problema.
Neste sentido, juntamente com o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo
iniciamos uma parceria com a Secretaria da Segurança do Estado. Dentre as
propostas encontram-se a identificação dos locais onde há maior ocorrência de
violência e a possiblidade de criação de uma guarda especial para garantir a
segurança dos profissionais de saúde nos locais de trabalho.
Sabemos, contudo, que essas são medidas paliativas e
circunstanciais. Precisamos entender o que faz que uma categoria que sempre
mereceu da população respeito e carinho passe a sofrer esse tipo de abuso?
Sabemos que vivemos tempos difíceis, sociais e econômicos. Sabemos também que há
uma mudança no comportamento da população em relação aos serviços públicos.
Longe se vão, entretanto, os tempos em que o atendimento de
saúde era uma dádiva ou concessão de alguns hospitais ou clínicas caridosas.
Hoje, constitucionalmente, é um direito inalienável cada vez mais exigido pela
população. Por conseguinte, exigem-se que as condições do SUS estejam à altura
dessa justa demanda.
Por outro lado, não podemos olvidar que o desprestígio da
categoria médica se acentuou nos últimos anos, instrumentalizados ou não pelos
órgãos estatais. A verdade é que precisamos avaliar em profundidade as razões e
desrazões dessa constatação.
Neste sentido, recentemente, o CREMESP contratou duas
pesquisas científicas sobre os fatores e visões dos médicos, dos pacientes e
usuários dos serviços de saúde sobre esse relevante tema. Esperamos, com os
dados consolidados, obter informações que nos permitam uma abordagem mais
precisa e resolutiva sobre o porquê da violência contra os médicos e demais
profissionais da saúde.
A sociedade brasileira merece uma saúde de qualidade para
todos. Os instrumentos constitucionais já existem. Não será por omissão dos
médicos que não lograremos esse intento. O CREMESP conclama todos para
participarem desse processo. Ressaltamos, entretanto, que a boa prática médica
se faz com médicos bem formados, éticos, que exercem seu mister em locais onde
as condições de trabalho e segurança estejam garantidos. Este é o nosso compromisso inarredável e dele
não nos afastaremos!
*Bráulio Luna Filho, 61anos,
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Professor
Livre-Docente em Cardiologia, UNIFESP-EPM
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