O endividamento dos
brasileiros e a falta de educação financeira
*Ana Raquel Mechlin Prado
De acordo com pesquisa realizada pelo SPC Brasil, em
conjunto com a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), no mês de
março de 2016, 700 mil brasileiros entraram no negativado, isto é, foram
inseridos como inaptos à aquisição de financiamentos no cadastro de proteção ao
crédito. No total, são 58,7 milhões de pessoas (39,64% da população) que estão
na condição de inadimplentes.
Ainda, conforme a pesquisa, a região Nordeste teve a maior
alta anual de inadimplência pelo oitavo mês consecutivo, com um aumento de
8,09% de pessoas inadimplentes entre fevereiro de 2015 e março de 2016, o que
alcançou um total de 15,7 milhões de negativados. As demais regiões do país,
embora com números absolutos menores, também têm de 30% a 50% da população com
dívidas em atraso.
A região Sudeste, entretanto, não entrou no estudo, uma vez
que a Lei Estadual 16.569/2015 do Estado de São Paulo, que exige que os
devedores sejam, previamente, notificados sobre suas dívidas e assinem o
recebimento do aviso pelo Correio, dificulta a inclusão deles no cadastro de
inadimplentes.
Em média, os inadimplentes devem R$ 3.422,29. As dívidas usuais são desde as faturas de
cartão de crédito; empréstimos; cartão de redes e lojas de varejo; cheque
especial; telefone fixo e celular, até as contas mais básicas, como de energia
e de luz, itens estes que, geralmente, são os primeiros a serem pagos pelas
famílias.
Os motivos mais apontados para esse aumento no número de
devedores são: perda de emprego; queda na renda real; empréstimo do nome para
consumo de terceiros e compras feitas sem controle. Desse modo, os principais
fatores estão intimamente relacionados à recessão econômica que reflete num
número maior de desocupados, que já alcançou 9,6 milhões neste ano (IBGE,
2016), à corrosão do poder aquisitivo, decorrente da pressão inflacionária, e
aos juros mais altos no mercado.
É notório que esses fatores são determinantes para o quadro
de inadimplência do país, mas dois aspectos importantes contribuem para tal: o
descontrole financeiro e o desconhecimento do brasileiro a respeito de sua
própria dívida. Conforme estudos do SPC Brasil (2016), a maioria dos
brasileiros não tem sobra de recursos ao final do mês, e seis, a cada dez
pessoas, não sabem, exatamente, o montante devido, e 36%, para quais empresas
devem. Apesar da renegociação da dívida, uma porcentagem significativa continua
devendo parcelas (32,6%), enquanto 67,4% pagaram ou ainda estão pagando suas
dívidas.
A ampliação da oferta monetária via expansão do crédito às
famílias, a partir da primeira década dos anos 2000, propiciou um “mundo
desconhecido” ao brasileiro, com maior acesso a recursos e ao consumo. A
demanda reprimida das décadas anteriores, aliada à ausência de educação
financeira e de “hábito” de planejamento da população, entretanto, fez com que
esse boom do crédito não fosse encarado com parcimônia.
Para se ter uma ideia, uma pesquisa da S&P Ratings
Services Global Financial Literacy Survey, realizada em 2014, aponta que o
Brasil ocupa somente a 74ª posição em educação financeira, entre 144 países,
índice inferior, inclusive, a países mais pobres e desiguais, como Madagascar e
Zimbábue.
Reconhece-se que a educação financeira é de extrema
importância para a construção de uma cultura que privilegie a melhor gestão do
orçamento e que se deve começar desde a infância. Como esta cultura ainda não
está disseminada no país, é preciso que o brasileiro aprenda a colocar no
“papel” suas despesas e suas prioridades, a fim de amenizar e/ou solucionar
seus problemas financeiros.
Mesmo que a nossa sociedade esteja, historicamente,
acostumada a um orçamento apertado e venha cortando gastos com bens de consumo
e serviços menos básicos, a saída da inadimplência torna-se difícil, sem a
devida compreensão das dívidas e o controle dos gastos, sobretudo, em períodos
de escassez de oferta de crédito e de economia em recessão.
*Ana Raquel Mechlin Prado possui graduação e mestrado em
Economia e tem estudos com ênfase em Economia Industrial e Economia
Contemporânea. É professora do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas, na
Universidade Presbiteriana Mackenzie (campus de Campinas) e está disponível
para conceder entrevistas.
**Ricardo Viveiros & Associados – Oficina de Comunicação
Nenhum comentário:
Postar um comentário