Políticas de austeridade
*Amadeu Roberto
Garrido de Paula
Há mais de um modelo de política de austeridade. Entretanto,
o pensamento político mundial só conhece um: apertar os cintos, sobretudo de
trabalhadores e beneficiários da previdência social. Não negamos que, em
determinado momento, o arrocho social deva ocorrer, enquanto última
alternativa. Salvar empresas e fazer sofrer os produtores, liminarmente, é uma
dialética burra e perversa.
Ao se falar em déficit das contas públicas, raramente se
olha ao núcleo duro das causas. No caso brasileiro atual, a corrupção, o desvio
brutal de dinheiro público, a primeira pergunta: o que fazer para recuperar
parte substancial do objeto desses crimes?
Ao se dizer que a corrupção é o mais grave problema brasileiro, muitos
divergem. É moralismo. Mas, basta ver os
números.
Corrupção se combate com a Justiça. O que percebemos é o
destaque às investigações criminais. Contudo, moralismo e só querer combater
com a cadeia. Mais importante é o pragmatismo do ressarcimento dos bilhões
surrupiados dos brasileiros. E isso é possível, em prazo imediato, sem violar
as garantias do estado democrático de direito. Acelerar a recomposição de
nossas finanças, com o uso das leis atuais ou que podem ser propostas pelo
governo de Michel Temer. Depois de muito tempo e apesar dos murmúrios das bocas
malditas, somente agora se revela que o assalto aos planos de pensão de
entidades públicas equivale a aproximadamente 1/3 dos bilhões da dívida
pública.
Têm de ser buscados imediatamente. Ao que consta, até este
momento "somente" 8 bilhões foram recuperados. Há o profundo buraco
do BNDES e responsáveis que devem ressarcir o tesouro. Muito pouco se recuperou
da Petrobrás. Os dirigentes de empresas privadas que contrataram com a
administração pública estão presos. Ótimo, dizem os incorrigíveis moralistas,
nem só pobre e preto vão aos cárceres no Brasil. E o dinheiro? Falamos do
dinheiro dos aditamentos contratuais, inclusive de obras inacabadas, que está
escondido em algumas grutas.
Em suma: punir criminalmente é mais espetaculoso. Mas,
recuperar nosso dinheiro para vencer a crise, é muito mais importante. Ah, não
se acham mais os bilhões. Tomaram doril. Quem possui o mínimo de experiência
jurídica sabe que os processos cíveis são mais complicados que os
criminais. Porém, perguntem se alguém
que teve sua bolsa roubada prefere mais sua reobtenção ou ver o ladrão na
cadeia... Exsurgirá algum Sérgio Moro no plano cível?
No colonismo cultural em que vivemos temos a tendência de
copiar tudo, até mesmo as políticas de austeridade, que derrubam os mais pobres
e só lhes deixam as alternativas de protesto, como nas ruas de Paris. É um
grande equívoco, que o governo Temer está prestes a cometer, insuflado por
equivocados do PSDB. Enquanto os ladrões
riem, os pobres pagam a conta e fenecem. A pinguela pode desabar e cair no rio,
como disse FHC. Depois recrudescerá o caos.
A coragem está em enfrentar-se os conglomerados econômicos
que depauperam nosso País e, não, em enfrentar, com a ajuda da polícia,
manifestações públicas. Em verdade, temos o rumo, sabe-se como agir com
destemor, mas há o famigerado equilíbrio das forças políticas. Enfrentar os
ladrões significa inviabilizar o governo. Logo, pau nos sem eira, beira e
poder.
O raciocínio sobre a Previdência Social também corre às
avessas. Fala-se dos efeitos drásticos de suas contas, mas a verdadeira causa
de um Instituto Estatal de proporção continental, que poderia não ser esse
gigante (o saudoso Montoro cansou de falar sobre a descentralização
administrativa, em todos os campos), não é vista. Consiste numa
máquina-tartaruga-gigante, que consome mais, como atividade-meio, que os
benefícios da atividade-fim. E ainda se dá ao luxo de fazer tudo errado, a
ponto de termos necessidade de abomináveis órgãos de justiça previdenciária.
Não se trata, a reforma previdenciária, de sangria desatada, em ordem a gerar
imprevisíveis conflitos sociais. O necessário é reformar, desde já, para não
falir em alguns anos. Pelo menos, esse é o discurso oficial. Então, comecemos
pelo ataque às verdadeiras causas, administração caríssima, reduzível à metade,
andamento paquidérmico e, além disso, guiada pela desonestidade em relação aos
segurados, cuja grande maioria percebe benefícios de fome.
Se for para mexer em benefícios, que se comece dos
servidores públicos e, principalmente, dos cargos mais altos. Estes são
ocupados por profissionais de elevada formação educacional, que podem passar
essa herança a seus filhos, frequentadores das melhores escolas privadas. Não
tem mais cabimento deixar generosas e quase que intermináveis pensões a
dependentes nomeados. Todos conhecem a diferença abissal entre previdência
privada, do regime geral, pública, e do regime nababesco, comparado à miséria
do País. Ninguém quer começar por aí. Mais uma vez, a pinguela despenca.
Fomos afogados por medidas provisórias, desde o governo de
FHC. A maioria inconstitucional, porque ausentes os requisitos de urgência e
relevância. Na salvação nacional, óbvio que as medidas corretas são urgentes e
relevantes. Portanto, ajustadas à Constituição. Por esse meio, afastaríamos
grande parte dos interesses fisiológicos que inundam o Congresso Nacional.
Há um elemento comum nas políticas de austeridade. Coragem,
como já disse Michel Temer, para quem quer entrar na história e não num campo
de poder, sem reeleição. Se é verdade, veremos logo. Mas, pelo andar da
carruagem, tudo o que foi dito acima parece não passar de um sonho no inverno
de nossa desesperança.
*Amadeu Roberto
Garrido de Paula, advogado e poeta. Autor do livro Universo Invisível e membro
da Academia Latino-Americana de Ciências Humanas.
** De León
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