sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O jornalista como profissional do conhecimento


*Carlos Castilho

A revolução digital ampliou e diversificou o protagonismo dos indivíduos na comunicação interpessoal em ambientes sociais, conferindo uma importância crítica à organização deste monumental fluxo de mensagens contendo dados e informações. O jornalista é parte insubstituível neste ordenamento, mas as regras que orientam a sua atividade diária já não são mais as mesmas.

O crescimento exponencial da oferta de dados e informações tornou obsoleta a função de coletar, formatar e distribuir notícias, que caracterizou o trabalho dos jornalistas durante os últimos 200 anos. A nova realidade digital está impondo ao jornalista a missão de dar significado às notícias, mais do que simplesmente passá-las adiante. Noutras palavras, gerar fluxos de notícias para alimentar a produção de conhecimento que permitam às pessoas evoluir social e economicamente.

Até agora o jornalista era um operário na linha de montagem das notícias que servem de moeda de troca com a publicidade e, com isto, viabilizavam o negócio da imprensa. Na hora em que é levado a se transformar num profissional do conhecimento, o jornalista necessita rever sua rotina de trabalho, valores profissionais e comportamentos sociais.

Mas a grande mudança está nos objetivos da atividade profissional. Embora a indústria dos jornais, revistas e audiovisual não vá desaparecer, o jornalista passará a trabalhar pensando cada vez menos na rentabilidade do negócio e mais nas necessidades e desejos dos receptores de notícias. Em vez do patrão, a referência básica passa a ser a comunidade de leitores, ouvintes e telespectadores.

Os jornalistas já ouviram muitas vezes esta mesma frase na boca dos executivos da imprensa, mas agora ela tende a se transformar no mantra do dia a dia da atividade, ao orientar o comportamento do profissional no chamado engajamento comunitário. Este engajamento permite que o jornalista identifique na comunidade à qual está vinculado os dados que serão estruturados como notícias, que por sua vez provocarão debates sobre os quais será construído o conhecimento individual e coletivo.

A agenda da imprensa sempre deu um tratamento diferenciado às notícias conforme o seu objetivo. Algumas são consideradas utilitárias porque estão orientadas para:

1.  A melhoria do desempenho pessoal e a eficiência nas atividades exercidas pelo leitor, ouvinte ou telespectador;

2. Ampliar a qualidade e quantidade no consumo individual;

3. Oferecer opções diversificadas de lazer.

São notícias onde é fácil estabelecer a relação custo/beneficio porque a demanda e a oferta são claramente identificadas. Em compensação, as notícias relacionadas ao que genericamente é conhecido como interesse social recebem menos atenção da imprensa porque, em geral, tratam de temas complexos como meio ambiente, programas energéticos, saneamento básico, drogas ou atenção à velhice, por exemplo. A diferença básica está entre as notícias que o público quer ler e aquelas necessárias ao exercício da cidadania. As primeiras são reguladas pelo mercado (oferta e procura), ao passo que as de interesse público dependem de motivação intelectual que nem sempre encontra uma compensação financeira.

O jornalismo voltado para a produção de conhecimento preenche a lacuna criada pelas deficiências do mercado na satisfação das necessidades informativas de interesse público porque pode atender interesses e demandas altamente segmentadas. Esta possibilidade está apoiada no uso de internet e da computação, que permitem uma personalização do fluxo de notícias em espaços informativos de dimensões reduzidas – como uma rua, um bairro ou uma especialidade profissional.

A mídia de massa só consegue equilíbrio financeiro quando atende a públicos pouco diferenciados, o que impede a atenção às necessidades informativas de grupos sociais numericamente reduzidos. A monetização tradicional dos conteúdos jornalísticos é inviável no ambiente online porque a avalancha informativa reduziu a zero o custo marginal da notícia (custo de reprodução de uma notícia). Por isso, o jornalista que optar pelo trabalho na internet precisa apostar na produção de conhecimento para buscar uma relação custo/benefício capaz de assegurar a sua sobrevivência.

Esta aposta não é apenas uma questão econômica, mas é essencialmente a recuperação do princípio da função pública do jornalista, perdida ao longo dos anos, por conta da sua inserção da atividade na linha de produção das indústrias de produção de notícias. O lado financeiro continua essencial à sobrevivência dos profissionais, mas ele não é mais o fator determinante no exercício da atividade. O jornalista é um protagonista indispensável para as pessoas desenvolverem conhecimento e com isso aumentar o capital social das comunidades onde vivem.

*Carlos Castilho em 03/09/2014, no Observatório da Imprensa

**Projor - Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo

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